Tenho sentido uma confusão de tempo e espaço. Estou em uma semana atípica, viagens, alguns dias na roça, sendo dois deles sem energia. O relaxamento dentro da ansiedade, ou a ansiedade dentro do relaxamento. Cuidados com a filha em tempo integral, menos tempo para tudo, mais tarefas e urgências surgindo, e eu pagando com bem menos horas de sono. E tudo, tudo, mergulhado nesse mar e terra fechados de Gaza…ah, se os homens pudessem voar…
As coisas seguem acontecendo, sou eu que não me situo. Com tantos acontecimentos, com tanta quebra de rotina (que eu odeio, mas aturo, mas gosto e que, na verdade, amo), algumas coisas aconteceram e eu mal consegui falar muito delas (ainda), que o livro já tem capa e miolo (mas meus miolos ainda tentam me sabotar):
o livro, artéria, faz-se cada vez mais matéria.
E aí sinto esse rio se abrindo e se fechando, e as coisas realmente se confundido.
O estreitamento do leito do rio pode significar o começo das coisas - estou no começo? O mais natural é pensar que sim, mas eu sinto que não, esse livro para mim já é antigo…mas vejam, ele nem nasceu ainda. O estreitamento do rio pode significar que minhas pernas se alongaram até a outra margem desse rio que corre dentro. Pode significar que os caminhos se fazem mais estreitos.
Talvez eu nunca tenha estado tão à deriva dentro desse meu rio, talvez ele já seja mar, talvez a calmaria nunca chegue, porque as ondas não cessam e novas aventuras chegam primeiro. Talvez a curiosidade seja mais importante que a cura, tão incerta e improvável no plano de cá. Talvez a contemplação não passe de ver miragens.
Construí um jirau, nele fiquei um tempo, me debatendo feito um peixe fisgado, e o implodi junto com as palavras nascentes, poentes? A nascente do rio ou a sua foz? Sei que estou circular hoje. O livro fala muito desse cair / se lançar na água. É uma metáfora do começo. A vontade do afogar. Então sim, volto a me sentir no começo, volto aos córregos estreitos, ainda sem certeza de nada.
Sem um rumo claro, abri o mapa da mina: o mapa de Minas, e logo encontrei Desemboque, uma pequeníssima vila próxima a Sacramento, no sentido da Serra da Canastra. Não é a primeira vez que corro os olhos por esse lugar, gosto muito de mapas. Perder-me em territórios ermos, acreditar nesse além-lá e, quem sabe assim, me situar.
Lá está a pequena Igreja de Nossa Senhora do Desterro, nessa vila praticamente fantasma” de apenas 27 habitantes, com um cemitério ao lado. Com certeza, muitos carregaram suas vidas e lápides para fora dali. Penso mais uma vez nos palestinos.
E volto. A vontade do afogar, é também a vontade de chegar ao mar. Acho que hoje sou confusão de águas, águas misturadas, o desemboque do rio no mar.
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Maitê Pereira Lamesa é natural de Jaú/SP, mãe, advogada (UEL), mestra em Relações Internacionais (Programa San Tiago Dantas - UNESP-UNICAMP-PUC/SP). Atualmente reside em São Paulo, alternado com períodos na zona rural do interior de São Paulo. Começou a publicar seus escritos em outubro de 2022, desde então teve alguns poemas publicados em revistas digitais e selecionados para antologias futuras. O livro Escamas de Mil Peixes será seu livro de estreia.