Época de metas. Novas. Há pouco mais de um ano eu descobri que a escrita era parte de mim, e me seguia em todos os contextos das minha vida. Nunca estava no rol de “metas e planos”, mas seguia-na-saúde-e-na-doença grudada, feito criança, na barra da minha saia. Pois o vento levantou a saia, e a escrita passou de periférica ao centro da minha vida. Li ainda adolescente, mas nunca esqueci de uma passagem de David Copperfield (Charles Dickens) em que ele fala sobre não desperdiçar talentos.
Essas emendas de ano-com-outro me angustiam um pouco. Há renovação com cada vez menos descanso, mas ressurgem as listas de metas. Como se pegar nossos sonhos com a mão dependesse apenas de nosso esforço pessoal, e pior, como se os sonhos precisassem ser sempre aquele objeto distante traduzível pelo verbo “ganhar”. “Ganhar” um novo emprego, uma promoção, um edital, um prêmio, uma causa (sou advogada, lembro).
Olho para minha lista de “metas para 2023”. Tem aquelas perfeitamente concluídas e que, por isso mesmo, dobraram minha lista de afazeres. Tem aquelas que se arrastam apesar da troca dos anos. Tem as metas que são as principais da vida e que nem estão ali - por exemplo, cuidar e educar um ser humano -, tem as que não consegui cumprir - vulgo fracassos - que talvez sigam direto para a lista de “metas para 2024”, ingênua.
Desde quando as listas dão conta da vida? Desde quando as listas tornaram-se o segredo do sucesso? Desde quando nossos sonhos se perderam dentro de um método com finalidades meramente organizacionais?
Persigo meus sonhos para além das metas. Acho que trazer a escrita da barra da saia para o centro é um desses sonhos alcançados - ainda bem que não preciso colocar em alguma lista de metas “escrever mais”. A finalidade da minha escrita é a escrita. Da mesma forma que não coloco nessa lista rasa “cuidar da minha filha”. Sequer tenho colocado “ler mais”, porque se leio 5, quero ler 10, se leio 10, quero ler 20, 40, 60…e o que exatamente importam os números?
A única coisa boa disso tudo é criar fracassos. Fracassos podem ser remédios, e o remédio se caracteriza pela dose certa.
A escrita para mim é assim, um sucesso, mesmo sem editais, sem prêmios, sem pompas e glórias. Oras. Escrita simplória. Não sigo o mote “escreva todo dia, de preferência em jejum, de preferência antes de sair da cama, de preferência em papel de brilho acetinado ou em moleskine…”, também não sigo à risca o “deixa a louça, deixa a roupa, priorize a si mesma”, que é muito importante, embora também frustrante. Eu que ponho e retiro a mesa da fartura, não quero ver as sobras no dia seguinte, e sei que fantasmas também não gostam do serviço de casa.
Então me alimento das sombras das sobras, das réstias dos restos. Quem sabe faça um suco dos bagaços das fórmulas para o sucesso. Começo podando raízes dessa lógica dual “fracasso / sucesso”. Tento escrever infinito como o número 8 dessa escama, o que não significa escrever todo dia, em linha ascendente, constante, contínua, sempre.
Mas escrevo porque têm coisas que a escrita que me dá…como um o sonho verdadeiro: o poder de reflexão, o poder de desautomatizar
a vida. Pois é, a escrita parece mesmo uma criança…teimosa, insistente, apegada, carinhosa. A escrita parece mesmo uma mãe ou uma filha.
Recadinho importante: essa newsletter entra em recesso, mas volta, promete!
Boas festas!
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Maitê Pereira Lamesa é natural de Jaú/SP, mãe, advogada (UEL), mestra em Relações Internacionais (Programa San Tiago Dantas - UNESP-UNICAMP-PUC/SP). Atualmente reside em São Paulo, alternado com períodos na zona rural do interior de São Paulo. Começou a publicar seus escritos em outubro de 2022, desde então teve alguns poemas publicados em revistas digitais e selecionados para antologias futuras. O livro Escamas de Mil Peixes é seu livro de estreia, publicado pela Patuá.