Há algo de obscuro e irracional na poesia. Há algo de Fossa das Marianas, mas não um breu total, um buraco negro das águas. Não, a poesia necessita de alguma visão: uma visão desfocada de peixe, um tom marinho, profundo. Quanto cabe nesse fundo? Quanto já existe? Quantas escamas? As respostas não, mas saber que damina escura e degradada, de onde brotava água, rios, peixes, pele, escamas.
Escamas de mil peixes é esse fundo profundo, é esse infinito delimitado, a vida. Ali fui buscar a origem do nome. Achei um rastro de dez anos atrás, algumas escamas flutuando perdidas, ora encontradas e colocada lado a lado: um encontro de quinze anos, com poemas de 2008 a 2023, revisados, esculpidos, reformulados, sentidos. Esse nome, que surgiu do inconsciente há tantos anos, é um nome dado pelas entranhas e escamas que, de certa forma, adivinharam essa coragem futura - a de hoje.
Lá estava aquela - essa - expressão enigmática: escamas de mil peixes…datada embaixo: outubro de 2013. Ano em que vim sem mala e cuia para São Paulo, a cidade do meu imaginário. Vim de Jaú, de lá vinha da Palestina, de lá vinha de Londrina, tendo vindo antes, primeiro e sempre, de Jaú (e o absurdo, denso e manso, ao colocar palavras geográficas assim, umas vizinhas das outras). Eu não sei dizer exatamente o que buscava para além de um sonho babilônico sobre um lugar onde a vida acontecia. Hoje sei melhor: vinha buscar alguma poesia no concreto.
Encontrei muita - dizem esses meus anos todos - dentre os despojos das perdas. Em “A menina de lá”, JGR escreveu: “(…) da precisão de se fazer lista das coisas que no dia por dia a gente vem perdendo”. Uma tal lista é precisa e necessária, penso. Logo, um livro de poemas é imprescindível. Eis. “Só a pura vida”.
E assim é que minhas escamas transitam de mim para o rio, que caminhará sempre para o mar. Eu, um peixe quimera totalmente descamado, entrego o que foi por muito tempo meu, só meu. Mas jamais poderia ser meu, só meu. Serão, muito em breve, de vocês as minhas Escamas de mil peixes.
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Maitê Pereira Lamesa é natural de Jaú/SP, mãe, advogada (UEL), mestra em Relações Internacionais (Programa San Tiago Dantas - UNESP-UNICAMP-PUC/SP). Atualmente reside em São Paulo, alternado com períodos na zona rural do interior de São Paulo. Começou a publicar seus escritos em outubro de 2022, desde então teve alguns poemas publicados em revistas digitais e selecionados para antologias futuras. O livro Escamas de Mil Peixes será seu livro de estreia.
maravilhoso mergulho!